quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Ninguém é o seu próprio cérebro, o que um "transplante de cabeça" significaria?

Já foi bem sucedido em outros animais: Médicos cortaram as cordas espinhais de um rato branco e um rato preto, trocaram a cabeça e produziram ratos vivos. Cirurgias semelhantes foram bem sucedidas com cães e macacos.

E agora há conversas sérias de fazer um transplante de cabeça em um ser humano.

Valery Spiridonov tem uma doença genética rara em que seus neurônios motores estão destruídos e os músculos de seu corpo estão perdendo os movimentos. Ele não pode andar e não pode fazer nada além de se alimentar, digitar e mover sua cadeira de rodas com um controle remoto. Alguns médicos estão surpresos que ele ainda esteja vivo.

Spiridonov, um gênio da tecnologia, possui a sua própria companhia de software educacionais e tem uma fé profunda que a tecnologia possa salvar a sua vida. Ele quer ser a primeira pessoa a sofrer um transplante de cabeça.

Os médicos esperariam até que o corpo de um ser humano com morte cerebral (vamos chamá-lo de Tom) que consentiu a doação de corpo inteiro para esse fim. Eles então esfriariam o cérebro de Spiridonov a fim de diminuir o dano neural, cortariam ambas as cordas espinhais, anexariam a medula espinhal de Spiridonov à medula espinhal de Tom e usariam uma droga para fundir as cordas espinhais.

Mas mesmo se a cirurgia fosse bem sucedida, seria um erro descrever este procedimento como um transplante de cérebro para Spiridonov. Aqui está o porquê.

Primeiro, não somos nossos cérebros. O "movimento da cabeça" é um produto cultural do Iluminismo Ocidental, focado na racionalidade e cálculo como o aspecto primário do que nos torna humanos.

Mas essa perspectiva muito particular e socialmente determinada é bastante nova. Antigos egípcios, por exemplo, simplesmente descartavam o cérebro após a morte - mesmo acreditando em uma vida após a morte - porque pensavam que seu objetivo principal era o sangue frio. Pensar em nós mesmos como de alguma forma residindo em nossos cérebros é principalmente um produto da cultura.

Neurocientistas e filósofos da mente, por exemplo, não foram capazes de localizar a consciência humana e auto-consciência no cérebro. 

Thomas Nagel e Alva Noe demonstraram que um cérebro totalmente funcional e saudável é uma explicação inadequada para aspectos fundamentais da existência humana, incluindo a autoconsciência. Nagel conclui que o relato materialista da consciência falha e Noe afirma que a consciência humana deve ser entendida como uma função "incorporada" de todo o organismo humano, considerada holisticamente.

Esta posição é apoiada por vários estudos de caso. Apesar de ter o córtex de seus cérebros destruídos ainda sabem quem são, se reconhecem em fotografias e muito mais. Algumas crianças, nascidas com fluido no lugar dos hemisférios cerebrais do cérebro, ainda podem rir e chorar, compreendem a diferença entre pessoas familiares e estranhos e até mesmo preferem certos tipos de música.

O fato de que essas crianças são conscientes significa que a consciência não requer maior função cerebral.

O estabelecimento médico secular opera com a visão de que os seres humanos em um "estado vegetativo persistente" não são mais pessoas, mas este ponto de vista agora deve ser repensado à luz do fato de que alguns seres humanos nesta condição são autoconscientes e podem se comunicar com pesquisadores.

Mesmo os seres humanos que são "mortos  cerebrais" são tudo menos mortos. O cérebro das pessoas mortas podem combater infecções e até mesmo há casos de uma gestante que deu a luz à uma criança e foi bem sucedida. Quando seus corpos são cortados abrem sua freqüência cardíaca e o pico da pressão arterial como uma resposta ao trauma corporal. Outros órgãos (como a medula espinhal) assumem a função do cérebro na coordenação da homeostase.

Simplificando, nossa suposição culturalmente condicionada de que uma pessoa morre quando seu cérebro morre deve ser abandonada. 

Não somos os nossos cérebros.

Infelizmente, o artigo "Groundbreak Atlantic" que atraiu tanta atenção para a história de Spiridonov opera com essa suposição, alegando que com "um golpe rápido" os médicos tirariam Spiridonov do "corpo o qual ele nasceu". Mas Spiridonov não é sua cabeça com um corpo descartável ligado. Ele é um organismo vivo, holisticamente considerado.

Muitas das nossas memórias, por exemplo, não "residem" no cérebro, mas sim são memórias encarnadas. Mesmo se ele fosse auto-consciente após o transplante de cabeça, Spiridonov perderia muitas dessas memórias e há algumas evidências de que ele poderia ganhar as memórias presentes no corpo do doador.

Mas dado o que foi mostrado acima, a pessoa submetida ao transplante de cabeça seria realmente Tom. Tom nunca deixou de ser um organismo humano vivo. Se não somos nossos cérebros, então é Tom que teve um órgão transplantado em seu corpo ainda vivo. Spiridonov teria morrido - assim como quem doa um órgão vital morre.

A pessoa pós-transplante terá as memórias encarnadas de Tom. O corpo de Tom vai lutar contra o novo órgão como sendo um tecido estranho sem a presença de drogas imunossupressoras. Qualquer criança que a pessoa resultante tiver será de Tom, não de Spiridonov.

Muitas razões foram articuladas a respeito de porque nós devemos ser moralmente céticos aos transplantes de cabeça - incluindo o custo incrível e a pequena probabilidade  de sucesso. Mas uma preocupação ainda não foi apresentada: mesmo se bem-sucedida, a pessoa sobreviver a um transplante de cabeça não seria o único solicitante.

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