Por Guilherme Bitencourt
O livro que repousa ao meu lado, aberto e inerte, já não tem mais a força de antes. As palavras, antes convidativas, agora se tornam pedaços dispersos de algo que já não importa. As frases se perdem em minha mente, como se o próprio sentido se esvaísse por entre os dedos. A leitura, que era um refúgio, transforma-se em uma armadilha, um reflexo da minha incapacidade de escapar de mim mesmo. O vazio da noite se torna um espelho que reflete minha própria inquietação.
Lá fora, no vasto silêncio da noite de Franco da Rocha, o bairro Jardim Progresso, banhado pela luz amarelada da Avenida Washington Luís, se revela como um palco sombrio. A vida marginal da rua segue seu curso descompassado, como se a cidade, indiferente, não pudesse mais perceber seus habitantes. Passos lentos e arrastados quebram a quietude da madrugada, reverberando nas calçadas como se estivessem tentando encontrar algo que se perdeu no tempo. Vozes, altas e baixas, entrecortam o ar, murmurando palavras que se dissolvem na escuridão. O som de uma discussão cresce, toma forma, mas logo se perde, dissolvendo-se na vastidão da noite, como se nunca tivesse existido. E eu me pergunto, em um suspiro: sou eu que estou perdido, ou são eles, cujos passos arrastados trilham as mesmas ruas desertas, sem destino, sem rumo?
O ventilador continua seu giro monótono, o som repetitivo preenchendo o espaço, quase hipnótico, como uma melodia que embala o vazio. Meus pensamentos, antes frenéticos e esmagadores, começam a se dissipar, desfazendo-se na neblina do cansaço e da apatia. O tempo parece parar, mas não há alívio no abandono. Há um peso no ar, uma tensão latente, como se a noite, em seu silêncio, estivesse aguardando o momento certo para se despir de sua máscara. A expectativa se torna palpável, e a inquietação, em sua agonia, começa a se transformar.
De repente, em meio a tudo isso, a esperança surge, tênue como um raio de sol que se insinua pela fresta da janela. Não é uma esperança grandiosa, mas uma esperança silenciosa, que surge quase sem aviso. O amanhecer, ainda distante, começa a se insinuar no horizonte da minha alma. Uma promessa, talvez, ou apenas o alívio de quem já não sabe mais como lutar contra o peso da noite. Algo dentro de mim se suaviza, como se a própria escuridão estivesse se desfazendo, permitindo que eu encontrasse um respiro. O ventilador, antes incômodo, agora se torna uma presença tranquila, como uma canção de ninar que me embala para um sono que, enfim, chega.
A rua, lá fora, parece silenciar. Os passos desaparecem, as vozes se aquietam. E, então, como se o mundo se rendesse ao momento, o primeiro pássaro canta, sua melodia quebrando o silêncio da madrugada. E, por um instante fugaz, sinto uma leveza que nunca imaginei sentir. Amanhã, quem sabe, será diferente. Amanhã, quem sabe, será o começo de algo novo, de algo melhor.
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