Por Guilherme Bitencourt
No cenário econômico global, a disparidade de riqueza alcançou proporções alarmantes, resultando em uma crescente concentração de recursos nas mãos de um pequeno grupo de indivíduos enquanto a vasta maioria luta para sobreviver. A proposta de taxar os super-ricos surge, nesse contexto, não apenas como uma questão de justiça social, mas como uma estratégia essencial para promover o bem-estar geral, reduzir a desigualdade e reequilibrar o poder econômico entre capital e trabalho. Analisando exemplos reais e explorando o conceito de mais-valia, podemos entender como essa medida contribuiria para uma sociedade mais equitativa e justa.
Para ilustrar a necessidade urgente de uma taxação
mais pesada sobre os super-ricos, vejamos o caso dos Estados Unidos. O
economista Thomas Piketty, em sua obra "O Capital no Século XXI",
demonstra como a concentração de riqueza no topo da pirâmide social tem
aumentado constantemente desde o século XX. Em 2019, Jeff Bezos, fundador da
Amazon, acumulava uma fortuna pessoal superior a 150 bilhões de dólares,
enquanto milhares de trabalhadores de sua empresa recebiam salários mínimos e
enfrentavam condições de trabalho extenuantes. A disparidade entre a renda do
capital e a renda do trabalho é o núcleo do problema, onde o capital (no caso,
a riqueza acumulada por Bezos) gera mais riqueza para si mesmo, enquanto a
força de trabalho que possibilita essa acumulação é sub-remunerada e explorada.
Um dos mecanismos mais notórios dessa exploração é
o conceito de mais-valia, elaborado por Karl Marx. A mais-valia refere-se ao
valor adicional produzido pelo trabalhador que é apropriado pelo capitalista.
Em termos simples, quando um trabalhador produz bens ou serviços no valor de
100 unidades monetárias, mas é pago apenas 30, a diferença de 70 representa a
mais-valia que é apropriada pelo empregador. Essa diferença alimenta o acúmulo
de riqueza do capitalista enquanto perpetua a exploração do trabalhador. No
caso de empresas gigantes como a Amazon, esse mecanismo opera em uma escala
colossal, permitindo que Bezos e outros como ele amassem fortunas
inimagináveis, enquanto seus empregados mal conseguem suprir suas necessidades
básicas.
A taxação dos super-ricos poderia, portanto, atuar
diretamente sobre esse desequilíbrio, redistribuindo parte da riqueza acumulada
de volta para a sociedade. Tomemos como exemplo a proposta de Elizabeth Warren,
senadora dos EUA, que sugeriu um imposto de 2% sobre fortunas acima de 50
milhões de dólares. Estima-se que essa medida geraria aproximadamente 2,75
trilhões de dólares em dez anos, recursos que poderiam ser investidos em saúde,
educação, infraestrutura e programas sociais, beneficiando diretamente milhões
de cidadãos. Além disso, essa taxação poderia financiar um aumento
significativo no salário mínimo, garantindo que os trabalhadores recebessem uma
compensação mais justa por seu trabalho.
A redistribuição da riqueza por meio da taxação também
tem o potencial de dinamizar a economia. Quando os trabalhadores recebem
salários mais altos, eles tendem a gastar mais, aumentando a demanda por bens e
serviços, o que, por sua vez, estimula a produção e gera mais empregos. Este
ciclo virtuoso pode levar a um crescimento econômico sustentável, baseado em
uma base de consumo mais ampla e sólida, ao invés de depender de uma minoria
rica para impulsionar a economia. Em contraste, a concentração de riqueza nos
super-ricos tende a ser menos produtiva economicamente, já que eles investem
uma parcela significativa de seus recursos em ativos financeiros ou em contas
offshore, o que contribui pouco para a economia real.
Além disso, a taxação dos super-ricos tem um
importante papel simbólico e político. Ela sinaliza um compromisso do Estado
com a justiça social, reconhecendo que a extrema concentração de riqueza é
moralmente indefensável e economicamente insustentável. Países que
implementaram políticas de taxação progressiva, como os países nórdicos, têm experimentado
níveis mais baixos de desigualdade e maior coesão social. A Suécia, por
exemplo, possui um dos sistemas fiscais mais progressivos do mundo, o que
contribuiu para a construção de um estado de bem-estar social robusto, onde a
educação, saúde e serviços públicos de alta qualidade são acessíveis a todos,
independentemente de sua classe social.
É importante ressaltar que a resistência a essa
proposta vem, em grande parte, de mitos propagados por aqueles que se
beneficiam do status quo. Argumenta-se que a taxação dos super-ricos
desencorajaria o investimento e a inovação, mas a história mostra o contrário.
Durante os anos 1950 e 1960, os Estados Unidos aplicavam taxas de imposto sobre
a renda acima de 90% para os mais ricos, um período que coincidiu com um boom
econômico, avanços tecnológicos e a expansão da classe média. A ideia de que os
super-ricos precisam ser protegidos para manter a economia funcionando é,
portanto, uma falácia que serve apenas para preservar os interesses de uma
elite privilegiada.
Por fim, a valorização do trabalhador e o
enriquecimento da população no geral são os principais benefícios que se
esperam com a taxação dos super-ricos. Ao direcionar os recursos provenientes
dessa taxação para investimentos sociais, o Estado pode proporcionar uma vida
mais digna para todos, reduzir a pobreza e promover a igualdade de
oportunidades. Isso, por sua vez, fortalece a democracia, pois uma sociedade
menos desigual tende a ser mais estável e participativa, com cidadãos mais
engajados e conscientes de seus direitos e responsabilidades.
Bibliografia:
- Piketty, Thomas. O Capital no Século XXI. Rio de
Janeiro: Intrínseca, 2014.
- Marx, Karl. O Capital: Crítica da Economia
Política. São Paulo: Boitempo, 2017.
- Warren, Elizabeth. This Fight Is Our Fight: The
Battle to Save America's Middle Class. Nova York: Metropolitan Books, 2017.
- Saez, Emmanuel, and Gabriel Zucman. The Triumph
of Injustice: How the Rich Dodge Taxes and How to Make Them Pay. Nova York:
W.W. Norton & Company, 2019.
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