Por Guilherme
Bitencourt
A política, em sua
essência, deveria ser o campo onde se discute e se busca o bem comum, mas a
realidade é que muitas vezes ela se torna um espaço de competição, onde a
vitória de um lado implica na derrota do outro. Este cenário não é apenas um
reflexo de interesses divergentes, mas também uma consequência das estruturas
sociais e culturais que incentivam a polarização. Para entender por que isso
acontece, é necessário mergulhar nas raízes históricas e culturais da divisão
política.
Historicamente, a polarização
política tem suas raízes na necessidade de criar identidades grupais fortes em
sociedades que enfrentavam conflitos internos e externos. Desde os tempos
antigos, as sociedades humanas se organizaram em torno de clãs, tribos e
nações, onde a lealdade ao grupo era essencial para a sobrevivência. Essa
necessidade de pertencimento se estendeu à política, onde a afiliação a um
grupo político pode ser vista como uma extensão da identidade pessoal e
comunitária. Em sociedades modernas, onde as identidades religiosas e étnicas
muitas vezes perdem força, a política se tornou um dos principais marcadores de
identidade. Este fenômeno é conhecido como "tribalismo político", e
sua influência é profunda.
A cultura moderna, em
muitos aspectos, continua a promover essa mentalidade tribal. A mídia, tanto
tradicional quanto digital, frequentemente apresenta as disputas políticas como
batalhas épicas entre o bem e o mal. Essa narrativa simplista não só atrai a
atenção e gera audiência, como também reforça a ideia de que o outro lado é uma
ameaça que deve ser derrotada. Este tipo de cobertura mediática cria um
ambiente onde a polarização não é apenas inevitável, mas também desejável, pois
ela simplifica o mundo em termos de amigos e inimigos.
Esse tribalismo é ainda
mais exacerbado por fatores econômicos e sociais. Em muitas democracias
modernas, o sistema econômico cria desigualdades profundas que alimentam
ressentimentos e divisões. Em vez de abordar essas desigualdades de maneira que
beneficie o bem comum, os lobbies políticos e econômicos frequentemente
exacerbam as divisões para promover suas próprias agendas. Esses lobbies, que
têm acesso a recursos financeiros significativos, podem moldar a política de
maneiras que atendem a seus interesses, muitas vezes às custas do público em
geral. Eles conseguem isso promovendo narrativas que reforçam estereótipos
políticos e alimentam a polarização.
A neurociência também
oferece uma explicação para a resistência das pessoas em ultrapassar os
estereótipos políticos. O cérebro humano é uma máquina de sobrevivência que
evoluiu para proteger o indivíduo e o grupo ao qual ele pertence. Quando
confrontados com ideias que desafiam suas crenças fundamentais, as pessoas
experimentam uma ameaça psicológica. Essa ameaça ativa o sistema límbico, a
parte do cérebro responsável pelas emoções, que pode levar a reações
defensivas. Em vez de considerar racionalmente as novas informações, as pessoas
frequentemente as rejeitam e reforçam suas crenças pré-existentes.
Esse fenômeno é conhecido
como "viés de confirmação", onde as pessoas tendem a buscar,
interpretar e lembrar informações de uma maneira que confirme suas crenças. O
viés de confirmação é uma barreira significativa para o diálogo político
construtivo, pois impede que as pessoas se abram para novas ideias ou
considerem pontos de vista que possam contradizer suas próprias convicções. Em
um ambiente político polarizado, esse viés é ainda mais pronunciado, pois a
pressão social para alinhar-se com o grupo é intensa.
Além do viés de
confirmação, a psicologia social também explora o conceito de "dissonância
cognitiva", que ocorre quando as pessoas experimentam desconforto ao
manter duas ou mais crenças conflitantes ao mesmo tempo. Para aliviar essa
dissonância, as pessoas tendem a resolver o conflito interno de maneiras que
minimizam a necessidade de mudar suas crenças fundamentais. Isso pode levar a
um reforço das divisões políticas, pois as pessoas procuram racionalizar as
discrepâncias entre suas crenças e a realidade de maneiras que perpetuem a polarização.
Culturalmente, a sociedade
moderna também valoriza o sucesso individual e a competitividade, muitas vezes
em detrimento da colaboração e da empatia. Em uma cultura que exalta vencedores
e penaliza perdedores, a política se torna mais uma arena onde a vitória
pessoal ou grupal é mais importante do que o bem-estar coletivo. Esta
mentalidade de "ganhar a qualquer custo" é prejudicial para a
democracia, pois mina a capacidade das pessoas de trabalhar juntas para
resolver problemas comuns.
Outro aspecto a considerar
é o impacto da globalização e da tecnologia na política moderna. A
globalização, embora tenha trazido benefícios econômicos significativos, também
criou novas formas de insegurança e desigualdade. Em muitos países, a
globalização é vista como uma força que beneficia as elites e prejudica os
trabalhadores comuns, o que alimenta ressentimentos que são facilmente
explorados por políticos populistas de ambos os lados do espectro político.
Esses políticos frequentemente utilizam a retórica do "nós contra
eles" para mobilizar o apoio, aprofundando ainda mais a polarização.
A tecnologia,
especialmente as redes sociais, desempenha um papel ambíguo nesse contexto. Por
um lado, as redes sociais têm o potencial de democratizar a informação e
facilitar o debate público. Por outro lado, os algoritmos que regem essas
plataformas tendem a amplificar conteúdos polarizadores, pois estes geram mais
engajamento. A resultante é um ambiente onde as opiniões extremas recebem mais
atenção e os discursos moderados são frequentemente abafados.
A psicologia evolucionista
também oferece insights sobre por que as pessoas se apegam tão fortemente às
suas identidades políticas. Os seres humanos evoluíram em pequenos grupos
sociais onde a lealdade ao grupo era essencial para a sobrevivência. Essa
lealdade evolutiva ainda está presente hoje, manifestando-se na forma de
identidades políticas que são defendidas com fervor. Quando a política se torna
uma extensão da identidade pessoal, qualquer desafio a essa identidade é visto
como uma ameaça existencial, levando a respostas emocionais intensas e muitas
vezes irracionais.
Este fenômeno não é apenas
um produto da psicologia individual, mas também um reflexo de dinâmicas sociais
mais amplas. A sociedade moderna valoriza a autonomia individual e a expressão
pessoal, o que leva as pessoas a buscar identidades que validem seu senso de si
mesmas. A política, em muitos casos, oferece uma arena onde essas identidades
podem ser afirmadas e defendidas. No entanto, quando essa busca de identidade
se torna o principal foco da política, o debate de ideias e a busca pelo bem
comum são prejudicados.
A arrogância política,
portanto, é tanto uma consequência quanto uma causa da polarização. Quando as
pessoas se veem como detentoras da verdade absoluta, elas tendem a
desconsiderar as opiniões alheias e a demonizar aqueles que discordam. Esta
mentalidade é prejudicial não só para o debate político, mas também para a
coesão social. Em uma sociedade onde a arrogância política prevalece, a
capacidade de resolver problemas comuns é seriamente comprometida, pois o foco
não está mais na busca de soluções, mas na afirmação de superioridade moral ou
intelectual.
Politicamente, a superação
desses desafios requer uma mudança fundamental na maneira como as pessoas
percebem e se envolvem com a política. Isso pode começar com a promoção de uma
cultura política mais inclusiva e deliberativa, onde o foco está na resolução
de problemas em vez de na vitória política. Isso também significa incentivar os
políticos e os cidadãos a valorizar a cooperação e o compromisso, em vez de
alimentar a divisão e o conflito.
Uma maneira de promover
essa mudança é por meio da educação. Programas educacionais que ensinam
pensamento crítico, resolução de conflitos e empatia podem ajudar a criar uma
geração de cidadãos que estão mais bem equipados para navegar pelas
complexidades da política moderna. Além disso, a educação política pode ajudar
as pessoas a entender melhor o funcionamento do sistema político e a
importância de participar ativamente no processo democrático.
No entanto, a mudança
cultural e política necessária para superar a polarização e a arrogância
política não será fácil. Ela requer um esforço consciente de todos os setores
da sociedade para promover uma cultura de respeito mútuo e diálogo construtivo.
Isso significa criar espaços onde as pessoas possam discutir questões políticas
de maneira respeitosa e informada, sem medo de serem atacadas ou
ridicularizadas por suas opiniões.
Além disso, as reformas
institucionais também são necessárias para reduzir a influência dos lobbies e
promover um sistema político mais transparente e responsável. Isso pode incluir
medidas como a reforma do financiamento de campanhas, o fortalecimento da
regulamentação sobre a transparência dos lobbies e a promoção de políticas que
incentivem a participação cívica.
As raízes
históricas do tribalismo político podem ser rastreadas até os primórdios das sociedades
humanas, onde a sobrevivência dependia da lealdade ao grupo e da desconfiança
em relação ao "outro". Este instinto, profundamente enraizado na
psicologia evolutiva, continua a moldar a forma como as pessoas se envolvem com
a política na era moderna. Embora os desafios de hoje sejam diferentes dos
enfrentados pelos nossos ancestrais, a necessidade de pertencimento e a
propensão para a polarização permanecem poderosas forças motivadoras.
No
entanto, o tribalismo político contemporâneo é amplificado por uma série de
fatores únicos ao nosso tempo. A era digital, por exemplo, trouxe consigo a
capacidade de se conectar com indivíduos e grupos que compartilham visões de
mundo semelhantes, independentemente de onde estejam localizados
geograficamente. Isso cria bolhas de informação, onde as pessoas são expostas
apenas a ideias que confirmam suas crenças preexistentes, reforçando ainda mais
suas identidades políticas.
Essas
bolhas são alimentadas por algoritmos de redes sociais que priorizam conteúdos
que geram engajamento - e nada gera mais engajamento do que conteúdos
polarizadores e emocionais. Como resultado, as pessoas são incentivadas a
compartilhar e consumir informações que confirmam seus preconceitos, e não a
buscar uma compreensão mais ampla e nuançada das questões políticas.
Essa
dinâmica também influencia a forma como as pessoas percebem e interagem com a
mídia tradicional. Em vez de servir como uma fonte imparcial de informação,
muitos meios de comunicação adotaram uma abordagem mais sensacionalista e
partidária, moldando suas coberturas para atrair audiências específicas. Isso,
por sua vez, reforça a divisão política, à medida que os cidadãos se afastam das
fontes de notícias que consideram "tendenciosas" e se concentram em
veículos que reforçam suas visões de mundo.
A
educação desempenha um papel crucial na formação das atitudes políticas das
pessoas. Infelizmente, o sistema educacional muitas vezes falha em preparar os
estudantes para navegar no complexo mundo da política. Em vez de promover o
pensamento crítico e a empatia, o currículo escolar frequentemente se concentra
em memorizar fatos e repetir as opiniões dos professores. Isso cria um ambiente
onde os alunos são incentivados a aceitar as informações sem questioná-las, o
que pode levar à perpetuação de crenças simplistas e estereotipadas sobre
política.
Além
disso, a educação política formal tende a ser superficial, concentrando-se em
questões como o funcionamento do governo e a história das instituições
políticas, mas raramente abordando as complexidades das ideologias políticas e
as nuances das questões contemporâneas. Sem uma compreensão profunda desses
tópicos, os cidadãos podem facilmente cair nas armadilhas da polarização e do
pensamento tribalista.
Do ponto
de vista psicológico, as identidades políticas são muitas vezes entrelaçadas
com o senso de autoestima e pertencimento dos indivíduos. Quando uma pessoa se
identifica fortemente com uma ideologia política, qualquer ataque ou crítica a
essa ideologia pode ser percebido como um ataque pessoal. Isso desencadeia
respostas emocionais defensivas, como raiva ou desprezo, que dificultam a
abertura para o diálogo e a consideração de pontos de vista alternativos.
A
"dissonância cognitiva", uma teoria formulada pelo psicólogo Leon
Festinger, descreve o desconforto que as pessoas sentem quando confrontadas com
informações que contradizem suas crenças. Para aliviar esse desconforto, as
pessoas muitas vezes ignoram, distorcem ou rejeitam as novas informações, em
vez de revisitar suas crenças. Este processo de autojustificação perpetua a
polarização, à medida que as pessoas se tornam mais radicais em suas convicções
para evitar a dissonância.
A
"ameaça de valor" também desempenha um papel significativo. Quando as
crenças políticas de uma pessoa são desafiadas, ela pode sentir que seus
valores fundamentais estão sendo questionados. Isso pode levar a uma rejeição
imediata do ponto de vista oposto, sem uma consideração justa ou racional dos
méritos do argumento. Este fenômeno contribui para a crescente incapacidade de
muitos indivíduos de engajar em debates políticos saudáveis e produtivos.
Culturalmente,
a valorização da competição sobre a cooperação também alimenta a polarização
política. Em sociedades onde a vitória é glorificada e a derrota é vista como
um sinal de fraqueza, a política se torna um campo de batalha onde as pessoas
lutam para impor suas visões de mundo, em vez de buscar soluções consensuais.
Isso se reflete na retórica política, que muitas vezes se concentra em derrotar
o "inimigo" político, em vez de resolver problemas complexos que
afetam a sociedade como um todo.
A
globalização, por sua vez, exacerbou essas tensões ao introduzir novas formas
de insegurança econômica e social. Em muitas nações, a globalização é percebida
como uma força que desestabiliza empregos, culturas e identidades locais,
criando um terreno fértil para a retórica populista. Políticos populistas de
ambos os lados do espectro político exploram esses medos, apresentando soluções
simplistas e polarizadoras que dividem ainda mais a sociedade.
Ao mesmo
tempo, a tecnologia não só facilita a disseminação rápida de informações, mas
também amplifica as vozes mais extremas. Em plataformas como Twitter e
Facebook, os algoritmos são projetados para priorizar conteúdos que provocam
reações emocionais fortes, pois são esses os que mantêm os usuários engajados
por mais tempo. Como resultado, discursos moderados e construtivos são
frequentemente suprimidos ou ignorados, enquanto as opiniões extremistas ganham
destaque.
A
psicologia evolucionista nos ajuda a entender por que o tribalismo político é
tão resistente à mudança. Os seres humanos evoluíram para viver em grupos
coesos, onde a cooperação interna e a competição externa eram cruciais para a
sobrevivência. Este instinto tribal, que nos serviu bem em eras passadas, agora
se manifesta em lealdades políticas ferozes que muitas vezes cegam os
indivíduos para a complexidade das questões modernas.
Quando a
política se torna uma extensão da identidade pessoal, os debates políticos
deixam de ser sobre a busca de soluções eficazes e se transformam em uma defesa
da própria identidade. Isso faz com que qualquer crítica ou discordância seja
percebida não como uma oportunidade para aprender e crescer, mas como uma
ameaça existencial que deve ser combatida. Esta defesa da identidade leva a uma
espiral de radicalização, onde as posições políticas se tornam cada vez mais
extremas e o diálogo construtivo se torna impossível.
A
arrogância política, portanto, não é apenas um subproduto da polarização, mas
um motor que a alimenta. Quando os indivíduos e grupos se convencem de que
possuem a verdade absoluta, eles se tornam incapazes de considerar a
possibilidade de que possam estar errados ou de que as outras perspectivas
também possam ter valor. Este tipo de arrogância não só aliena aqueles que
pensam de forma diferente, mas também cria um ambiente onde o compromisso e a
colaboração são vistos como fraquezas, em vez de virtudes.
Politicamente,
a superação dessa arrogância e da polarização que ela sustenta requer um
compromisso com o pluralismo e o diálogo. Isso implica reconhecer que nenhuma
ideologia ou partido tem todas as respostas para os desafios complexos que enfrentamos,
e que soluções duradouras só podem ser encontradas por meio de um processo de
negociação e compromisso. No entanto, esse processo não pode ser bem-sucedido
se os participantes não estiverem dispostos a abrir mão de suas certezas
absolutas e a considerar seriamente as perspectivas dos outros.
A
promoção de uma cultura política mais deliberativa e inclusiva é fundamental
para enfrentar a polarização. Isso pode ser alcançado por meio de reformas
educacionais que incentivem o pensamento crítico e a empatia, bem como de
reformas institucionais que garantam maior transparência e responsabilidade no
processo político. Além disso, é essencial que os meios de comunicação e as
plataformas digitais assumam a responsabilidade de promover um discurso mais
equilibrado e construtivo, em vez de explorar as divisões para fins lucrativos.
A
humildade intelectual deve ser vista como uma virtude central em uma democracia
saudável. Ela nos lembra de que, independentemente de quão informados ou
apaixonados sejamos sobre um assunto, sempre há algo novo a aprender e sempre
há espaço para o diálogo e o compromisso. Esta humildade é o antídoto para a
arrogância política e é crucial para a construção de uma sociedade onde o bem
comum seja prioritário.
Em suma,
a superação dos estereótipos políticos e a criação de uma sociedade mais
cooperativa exigem um esforço coletivo. Todos, desde os líderes políticos até
os cidadãos comuns, têm um papel a desempenhar na promoção de uma cultura de
respeito mútuo e diálogo. Isso requer não apenas mudanças nas atitudes e
comportamentos individuais, mas também reformas estruturais que incentivem a
cooperação e a responsabilidade em todos os níveis da sociedade.
As
pressões culturais, econômicas e tecnológicas que perpetuam a polarização são
poderosas, mas não insuperáveis. Com um compromisso renovado com o pluralismo,
a empatia e o pensamento crítico, é possível construir uma sociedade onde as
diferenças políticas não sejam vistas como ameaças, mas como oportunidades para
enriquecer o debate e encontrar soluções melhores para os desafios que
enfrentamos.
Essa
transformação não será fácil e exigirá tempo, paciência e perseverança. No
entanto, os benefícios de uma sociedade mais unida e cooperativa são imensos.
Ao superar as divisões políticas e trabalhar juntos em direção ao bem comum,
podemos construir uma sociedade mais justa, inclusiva e próspera para todos.
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