Por Guilherme Bitencourt
A inveja, esse sentimento sombrio que habita o íntimo das relações humanas, não se volta para o distante e inalcançável, mas para o próximo, para o semelhante que compartilha conosco o espaço da intimidade. Não é o magnata abastado, distante em sua opulência, que desperta a ira do invejoso. É aquele que está ao seu lado, o irmão, o amigo, o vizinho, cuja ascensão ou virtude vem lançar sombras sobre as próprias inseguranças daquele que inveja.
A inveja, muitas vezes, é um vício que se oculta nas dobras da intimidade. É natural que, ao ver o crescimento do outro, especialmente quando este outrora se encontrava em situação semelhante, o espírito fraco se revolva em amargura. E então, há uma cegueira moral que se apodera do coração, incapaz de celebrar o êxito alheio. O sucesso do semelhante, em vez de ser um motivo de júbilo, converte-se em uma dolorosa constatação das próprias insuficiências. E é aqui que a inveja, qual erva daninha, brota e se espalha.
Tal como nos ensina a antiga história bíblica de Caim e Abel, a inveja nasce, muitas vezes, entre aqueles que deveriam ser unidos pelo laço da fraternidade. Caim e Abel eram irmãos, partilhavam o mesmo chão e os mesmos desafios. Mas a aceitação da oferenda de Abel por Yahweh, enquanto a de Caim era recusada, semeou no coração do irmão o ressentimento que culminou em tragédia. No entanto, Caim e Abel não são os únicos que revelam as profundezas da inveja.
A literatura clássica nos oferece outros exemplos igualmente pungentes. Vejamos, por exemplo, a história de Iago, na obra Otelo de William Shakespeare. Iago, movido pela inveja e ressentimento, orquestra a queda de Otelo, o nobre mouro, plantando a semente da dúvida e da desconfiança em sua mente. A inveja de Iago é alimentada não pela riqueza ou posição de Otelo, mas pela percepção de que ele, Iago, foi preterido por um homem que considera seu igual. Iago, como o próprio Caim, não suporta a ideia de que outro tenha se elevado acima dele e, consumido por esse sentimento, leva todos à ruína. Sua inveja é um espelho de sua própria mesquinhez, incapaz de reconhecer virtudes onde há apenas rivalidade.
Outro exemplo marcante pode ser encontrado na mitologia grega, na história de Medeia. Esta, traída por Jasão, que a abandona por uma princesa mais jovem, não consegue suportar a dor da rejeição. Seu desejo de vingança, alimentado por uma inveja amarga e uma sensação de perda, a leva a cometer os atos mais terríveis, sacrificando até mesmo seus próprios filhos. A tragédia de Medeia não é apenas a de uma mulher abandonada, mas a de um espírito devorado pela inveja e pela incapacidade de aceitar a felicidade alheia. Aqui, a inveja se torna uma força destrutiva, que não apenas fere os outros, mas queima as raízes de sua própria humanidade.
Essas histórias, cada uma à sua maneira, nos revelam que a inveja é um espelho distorcido que reflete o pior de nós mesmos. Quando alguém se ressente do êxito do outro, está, na verdade, revelando sua própria incapacidade de superar as barreiras internas que o impedem de avançar. A inveja é, em última análise, um veneno que corrompe primeiro a alma do invejoso antes de se espalhar aos outros. Nas relações de intimidade, ela encontra terreno fértil para crescer e proliferar, exacerbada pelas comparações inevitáveis e pelas diferenças que se tornam mais evidentes à medida que o tempo passa.
Há, porém, um contraste interessante: quando a inveja é dirigida a alguém distante, a dinâmica é diferente. O outro, que está além do círculo íntimo, se torna um objeto de admiração ou, pelo menos, de resignação. A comparação é mais suave, menos corrosiva, pois falta a intimidade que coloca o sucesso do outro em confronto direto com as próprias insuficiências. No entanto, mesmo essa inveja distante pode crescer e se transformar em algo mais sombrio, como vemos na história do rei Saul e de Davi. Saul, que inicialmente admira Davi, acaba se corroendo de inveja à medida que a popularidade do jovem guerreiro cresce. O que começa como uma admiração distante se transforma em ódio mortal quando Davi se aproxima do poder. A intimidade crescente entre eles apenas alimenta a inveja de Saul, que vê no sucesso de Davi a ameaça de sua própria queda.
Na mitologia africana, encontramos a história de Sogolon Kedjou, a mãe de Sundiata Keita, o fundador do Império Mali. Sogolon era uma mulher sábia e de grande virtude, mas sua posição na corte de Mandinga despertou a inveja das outras esposas do rei. Estas, ao verem a predileção do rei por Sogolon, encheram-se de ciúmes e tramaram contra ela, buscando minar sua posição e desonrá-la. A inveja das esposas, motivada pela intimidade e pela proximidade, criou uma rede de intrigas e mentiras que quase levou à queda de Sogolon e de seu filho. No entanto, a força e a resiliência de Sogolon, aliadas à sabedoria herdada pelos espíritos ancestrais, permitiram-lhe superar as armadilhas que lhe foram postas, e Sundiata, seu filho, cresceu para se tornar um dos maiores líderes da história africana. Essa narrativa nos lembra que, mesmo diante da inveja mais corrosiva, a virtude e a sabedoria podem prevalecer.
Este fenômeno nos conduz a um entendimento mais profundo da natureza humana, em que a inveja se apresenta como um reflexo das inseguranças pessoais. A incapacidade de celebrar as virtudes alheias como estímulos para o próprio crescimento é um sintoma de uma alma empobrecida, incapaz de reconhecer que o sucesso do outro não diminui, mas pode enriquecer o nosso próprio. O invejoso, ao se confrontar com o êxito do próximo, se vê prisioneiro de suas próprias limitações, incapaz de enxergar além do próprio espelho.
A inveja nas relações íntimas é, em última análise, uma prisão autoimposta. O sucesso do outro, longe de ser uma ameaça real, é percebido como tal pelo espírito que se apequena em sua própria mesquinhez. Para escapar dessas correntes invisíveis, é necessário um esforço consciente para cultivar a virtude do amor e da generosidade. Amar verdadeiramente é ser capaz de celebrar a felicidade e o sucesso do outro como se fossem próprios, sem se deixar consumir pelo desejo de possuir o que não nos pertence. O amor desinteressado é o caminho para a verdadeira liberdade, pois ele nos liberta das comparações mesquinhas e nos permite viver em paz com nós mesmos e com os outros.
Outras narrativas também nos ensinam sobre os perigos da inveja. Na peça Ricardo III, de Shakespeare, o protagonista, deformado e amargurado, inveja todos aqueles que possuem o que lhe falta, seja beleza, poder ou amor. A inveja de Ricardo é tão insidiosa que o leva a trair, manipular e assassinar, tudo em nome de uma ascensão ao poder que, em última análise, não lhe traz paz nem satisfação. Sua queda é uma lição sobre os efeitos corrosivos da inveja, que consome não apenas suas vítimas, mas também o próprio invejoso.
Essas histórias, retiradas tanto da literatura quanto da mitologia, nos oferecem uma visão rica e multifacetada da inveja. Ela é um sentimento que nasce da intimidade, alimentado pelas comparações que fazemos com aqueles que nos são próximos. Ela é uma expressão das nossas próprias inseguranças e limitações, e se manifesta de forma mais intensa nas relações de proximidade, onde as diferenças são mais evidentes. Para superá-la, é necessário cultivar a virtude do amor, que nos permite celebrar o sucesso alheio sem ressentimento, reconhecendo que a felicidade do outro não diminui a nossa, mas pode, ao contrário, enriquecê-la.
A inveja é uma prisão autoimposta, uma corrente invisível que limita o espírito e envenena o coração. Para transcender esse sentimento corrosivo, é necessário olhar para dentro de si mesmo e reconhecer que o sucesso do outro não é uma ameaça, mas uma oportunidade de aprendizado e crescimento. Ao invés de permitir que a inveja envenene o coração, devemos buscar nutrir a alma com os frutos do amor, da gratidão e da generosidade. Somente assim poderemos nos libertar das correntes da inveja e viver uma vida plena, em harmonia com os outros e com nós mesmos.
Bibliografia
1. Assis, Machado de. Dom Casmurro. Companhia das Letras, 1997.
2. Alencar, José de. Senhora. Editora Ática, 2001.
3. Gibran, Khalil. O Profeta. Editora L&PM, 2001.
4. Freud, Sigmund. O Ego e o Id.
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